Vladimir Putin mantém olhos atentos ao Irã
Participação do presidente russo no Fórum Econômico de São Petersburgo nos deixa com a pulga atrás da orelha: será a Rússia um fator crucial no conflito iraniano?
O Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF, na sigla em inglês), apesar de breve, realizado ontem (20) no país, pôde nos fornecer algumas pistas importantes do que deve ser a participação russa no conflito entre Irã e Israel. É, de forma justa, importante nos questionarmos o papel que a Rússia pode desempenhar no conflito, principalmente por sua capacidade militar e, pontualmente, por conta do tratado recém-assinado entre a república islâmica e o regime russo, no dia 17 de janeiro de 2025. Os temas que cercam o esforço diplomático apareceram de forma extensiva no discurso do presidente russo durante o evento
Vale relembrar o acordo para compreendermos as falas de Putin. Estratégico, o documento reforça os laços entre os países pelos próximos 20 anos. Composto por 47 artigos, destaca-se a cooperação nos campos da economia e tecnologia. Elementos militares e políticos não foram deixados de lado. Essencialmente, pode-se destacar a cooperação em tecnologia, informação e segurança cibernética, além da colaboração em energia nuclear pacífica, esforços antiterrorismo, cooperação regional, questões ambientais, o Mar Cáspio e combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado.
O que interessa são dois pontos principais, se fizermos a conexão entre o documento e a participação do presidente russo no Fórum, que debateu questões mais atuais: a questão nuclear e militar. O acordo inclui uma cláusula que proíbe os países de apoiar ou auxiliar agressores uns contra os outros, bem como de permitir que seus territórios sejam usados como bases para tais ações — com o importante adendo do que classificamos dentro do conceito de território, já que o documento não inclui o reconhecimento da Crimeia, mas garante a soberania do Irã sobre três ilhas do Golfo.
É preocupante. Estou falando sem ironia, sem brincadeiras. Claro que há muito potencial de conflito, ele está crescendo, e está bem diante de nossos olhos —e nos afeta diretamente — afirmou Putin sobre uma possível guerra mundial
Após o início do confronto, com a ofensiva israelense em 13 de junho, é bem provável que Putin tenha relembrado da questão síria recente, que culminou na queda de Bashar al-Assad, exilado em território russo. É preciso relembrar que, durante a tomada do país pelo HTS, capitaneado por Abu Mohammed al-Julani, os russos poderiam ter rompido de vez sua relação com os iranianos, principalmente pela recusa dos russos em fornecer fuzis AK-47 e também proibir a entrada de um avião iraniano que transportava armas para a Síria, segundo fontes iranianas do alto comando.
Essa falta de auxílio não caiu bem para a diplomacia do Kremlin. Os iranianos se lembram bem da ajuda russa que lhes foi solicitada após o início da guerra na Ucrânia, com o fornecimento de drones kamikaze Shahed-136 e ajuda a Moscou para a construção de uma fábrica em solo nacional para fabricações excepcionais de guerra. Dadas as incertezas por ambos os lados e a necessidade latente de manter sua influência no Oriente Médio, Putin decidiu não arriscar, o que faz sentido: o acordo não insta Moscou a ajudar o Irã militarmente. Na verdade, a oferta de ajuda fora negada pelos iranianos.
Estamos nos defendendo contra aqueles que representam ameaças à Federação Russa. E, em sua essência, essas são essencialmente as mesmas forças, seja no Irã ou no nosso caso. Em algum lugar lá atrás, na retaguarda, nos bastidores (…) —disse Putin no Fórum.
E acrescentou, posteriormente:
Alguns dizem que deveríamos ter feito mais — mais o quê? Iniciar algum tipo de operação militar? É isso? (…) Já temos operações militares em andamento com aqueles que consideramos oponentes das ideias que defendemos e com aqueles que representam ameaças à Federação Russa.
A questão do fornecimento de sistemas de defesa aérea russos ao Irã já foi discutida, mas o lado iraniano não demonstrou interesse. Isso foi, como se costuma dizer, uma cooperação regular na esfera técnico-militar e dentro da estrutura das normas internacionais. Sempre nos mantivemos dentro da estrutura regulatória internacional — completou Putin.
Ataque direto a instalações nucleares podem fazer a Rússia entrar na guerra
A maior preocupação — e justificativa primária dada pelo governo israelense para o início da ofensiva em território iraniano seria a capacidade e iminência do Irã em produzir uma arma nuclear. Para a Rússia, que defende veementemente o direito dos iranianos em produzir este tipo de tecnologia, os olhares se direcionam à usina nuclear de Bushehr, que emprega especialistas russos. A possível entrada dos EUA no conflito — que apesar de protelada por Trump, já demonstra corpo formado, com seis bombardeiros B-2 a caminho de bases norte-americanas no local — poderia muito bem ocasionar baixas a cidadãos russos, o que poderia ser respondido com uma declaração de guerra da Rússia aos EUA.
A Rússia apoia o Irã na defesa de seus interesses legítimos, inclusive no campo da energia nuclear pacífica (…) Apesar dos riscos, construímos um reator em Bushehr e assinamos um contrato para mais dois. Não estamos evacuando nosso pessoal. Levantamos essa questão com Israel e com o Presidente Trump: agimos dentro do direito internacional e exigimos a segurança de nossa equipe.
Não vamos embora. A Rússia sempre apoia o Irã em seu trabalho com armas nucleares e protege seus direitos nessa área não apenas em palavras, mas também em ações — enfatizou o presidente russo.
Agora, quem está com as costas contra a parede, em realidade, é Trump. Putin enxerga muito bem que uma mudança de regime é improvável dentro do Irã, já que as agressões externas não geraram fraturas na sociedade iraniana. Pelo contrário, fortaleceu seu núcleo duro, fazendo com que o aiatolá Ali Khamenei consolide sua já muito forte posição como líder. Matá-lo? Não é uma opção, segundo a Rússia, que afirmou se opôr fortemente a isso.
A Rússia reagirá de forma extremamente negativa se Khamenei for assassinado. — afirmou Putin
A posição russa se mostra, portanto, favorável, principalmente porque busca, também, se afastar da imagem de “ocupante” que recebeu do Ocidente após o início da operação militar na Ucrânia (vale lembrar a recente declaração do Ministério das Relações Exteriores da União Europeia, por meio de Kaja Kallas, que afirmou que a Rússia “é uma ameaça de 360° para o mundo”).
Putin sabe que, politicamente, está com mais margem de manobra, não à toa usa essa janela de oportunidade para apresentar o país como um possível mediador entre os dois lados, envolvendo a China no processo. Posição, essa, que escapou da mão de Trump, que geralmente financia a guerra, mas busca sempre sair como o grande mediador dos conflitos — relembremos o envio de armamentos, munição e inteligência a Israel, propondo um ultimato ao Irã, para passar ao mundo a imagem de negociador final, responsável pelo possível fim do conflito.
Em ligação com Xi Jinping, secretário-geral do Partido Comunista da China, Putin reafirmou, à mídia através da assessoria do Kremlin, que ambos os países “condenam veementemente as ações de Israel, que violam a Carta da ONU e outras normas do direito internacional”. Por conta disso, ambos os países “acreditam fundamentalmente que não há solução militar para a situação atual e para as questões relacionadas ao programa nuclear do Irã”, acrescentando que uma solução “deve ser alcançada exclusivamente por meios políticos e diplomáticos” — porém, há de se observar a expansão geográfica do conflito, o que minaria, assim, uma resolução diplomática, deixando o conflito mais delicado.
“Rússia e China não estão formando uma nova ordem mundial, estamos apenas a formalizando. A nova ordem mundial está emergindo naturalmente — é como o nascer do sol, não há como escapar dela.”
Os países da comunidade mundial estão aumentando seu potencial, mudando o equilíbrio de poder e o panorama econômico geral do planeta. — completou Putin
Caminhando para o fim do Fórum, o presidente russo tranquilizou as agências internacionais de notícias, afirmando que as instalações subterrâneas nucleares do Irã ainda “existem, nada aconteceu com elas”.

A Rússia tem margem de manobra de sobra para agir acerca da questão iraniana. Putin sabe que o apoio do Ocidente à Ucrânia se desintegrou com a extensão da guerra, que a cada dia se mostra mais vencida pelo seu país. Agora, com sua aliança estratégica no Irã, Putin coloca ainda mais os EUA em uma posição delicada. Algo peculiar, que poucos voltam a atenção e ignoram, é o posicionamento das outras nações árabes e não árabes. Países como Qatar, Egito, Jordânia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Turquia e Indonésia apoiam indiretamente Israel — ou, para não soar extremo, não rompem indiretamente rotas e acordos comerciais que garantem a sustentabilidade do estado-judeu.
Muitos cenários se colocam à mesa. Se os EUA atacarem o Irã e vitimarem russos, a Rússia pode entrar na guerra. Se isso não acontecer, deve continuar recorrendo à diplomacia como solução ao conflito. Se houver uma expansão do conflito no sentido regional, pode haver uma coalizão, liderada pelos EUA, de países árabes contra o Irã, que vê o Eixo da Resistência cada vez mais desestabilizado. Os iranianos provavelmente receberiam ajuda do Hezbollah, o que os fortaleceria, e a Rússia teria uma margem de decisão para pensar sua entrada no conflito ou não. Se os EUA não se envolver diretamente, Israel deve recorrer ao Mossad e à sabotagem para uma ação mais incisiva nas plantas nucleares subterrâneas iranianas, impenetráveis pelo arsenal de mísseis atual de Israel. O risco de derrota, porém, seria enorme a longo prazo.
Mas, os se variam muito, e Putin sabe disso. Apesar da situação confortável, tudo na guerra pode mudar em questão de segundos, ainda mais com a Rússia ainda tendo que lidar com a já considerada tediosa aventura na Ucrânia. O presidente russo, porém, parece tranquilo em consciência dos esforços que faz, esperando para ver onde encaixará sua posição no tabuleiro do Oriente Médio. Não como peão, mas possível Rei.
Quem dentre vocês nunca tiver pecado, que atire a primeira pedra em mim. Encerraremos aqui, respondeu Putin ao ser indagado se havia cometido erros como chefe de estado.